Este é um espaço que se pretende aberto a quem goste de contar histórias e de andar nos turbilhões labirínticos das palavras e das cores como bouquês feitos de lâminas.
sexta-feira, 2 de abril de 2010
ENQUANTO CONSEGUIRMOS
A violência gratuita é uma das coisas, talvez aquela entre todas as outras, a que mais me impressiona pelos contornos verdadeiramente dantescos que impõe a quem com ela convive, ou simplesmente se confronta por qualquer razão.
Somos deparados diariamente e de uma forma muitas vezes arbitrária com gritos, desacatos, choros e outros sinais visíveis de raras irracionalidades. O que me assusta cada vez mais, é que acaba sempre numa bola de neve, numa espiral sem fim, a que o ruído de fundo concebe a melodia própria de uma sinfonia mortal.
Doí tanto mais quanto mais banal se torna. A incapacidade de muitos de nós em sentir compaixão por quem é atingido subitamente por ela é qualquer coisa de absurdo. Fecham-se janelas, correm-se portas para não se ver, para não se ouvir e enquanto não é connosco dormimos descansados.
Enquanto conseguirmos.
segunda-feira, 29 de março de 2010
QUANDO EU ERA NOVA
Quando eu era nova não questionava.
Era branco e preto.
Assim diziam e eu aproveitava para desacreditar
por isso aprendi todos os tons de cinzento.
Quando cresci só ficaram manchas
daquelas esbatidas e borradas nas franjas
dos papeis amarrotados e rasgados
que cantavam canções negras de um libreto.
Agora voltei ao preto, ao branco e aos outros
só já não sei dos meus papeis contados e partidos
dos suores dos gritos escondidos
nem do cheiro do branco e do preto no gosto dos meus passos perdidos.
sábado, 27 de março de 2010
LUAS E OUTRAS COISAS
Eu gosto das laranjas porque têm a cor da lua.
lá não passam autocarros e os gomos são buracos fundos e abertos
que no corpo do vagabundo abundam e na terra cheiram a carne crua.
Quem como eu gostar da lua que não vista o negro do carvão.
Quando sentir o amargo do fel da mão na mão, pinte o corpo do vagabundo
da cor da laranja nua e fria que tem a cor da lua num dia de solidão.
Não contem segredos nem desalinhas, nem tão pouco entrelinhas
que os gomos da lua são linhas tortuosas e manhosas que só sabem cantar e cheirar
o laranja da lua.
Sim, porque a lua tem a cor da laranja.
TEMPOS MODERNOS
Finalmente o facebook. Não sei porquê. Agora não faz sentido, mas antes também não. Assim sendo e para além das duvidas resta-me saber as novidades de amigos e de amigos e conhecidos dos amigos pelo computador o que fica mais barato e dá menos trabalho.
Devo confessar que até agora e com um dia apenas de "facebookeana" que a sensação é estranha. Passo a explicar. As pessoas fazem perguntas, convidam para aderir a causas e solicitam a minha companhia nos múltiplos jogos. Percebo agora porque é que passam tanto tempo com esta brincadeira.
Bem hoje fui a Castelo Branco. A paisagem é linda até lá. Quando chegamos é como aportar em qualquer cidade de qualquer País. Pouco ou nada há que a identifique. Os mesmos centros comerciais, os hipermercados e os famosos fastfood, não vá a gente das serras já não saber o quê e como se come.
Esta é outra realidade que me deixa muito pensativa. Será que a globalização tem de ser assim? podemos ou não ser um bocadinho diferentes uns dos outros? como irão os meus netos ver Castelo Branco e distinguir que não estão em Andorra.
Comparadas com estas questões o meu facebook é mesmo uma brincadeira de crianças. Só que de crianças mais velhas.
Sim, porque nós os grandes também precisamos de brincar uns com os outros.
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
OS ANOS DOS NOSSOS ANOS
No dia anterior ao que os nossos filhos fazem anos, invade-nos uma espécie de nostalgia lenta, cálida quase "embalativa", tanto mais forte quantos mais os anos passam.
Fazemos um retrocesso emocional e eis que a sensação se torna física. O Damásio tem razão. As coisas andam mesmo juntas. De repente eis que o filho agora grande e homem feito volta a ser aquele ser desconhecido que uns anos antes entrou na nossa vida e cuja existência determinou a nossa para sempre.
As recordações são sábias. Com a idade, esquecemos com facilidade as trivialidades diárias e podemos enumerar quase textualmente o passado mais distante. Talvez por isso os anos dos filhos sejam sempre um teste à nossa capacidade de ver passar o tempo e de sobretudo fazer dos anos deles os nossos anos também. As nossas histórias confundem-se, interligam-se e unem-se num mapa sempre em reconstrução.
Recordo neste momento as mãos de bebé que felizmente para mim, o meu filho manteve durante muitos anos. Sapudas, refegosas, quentinhas e sou capaz de lhes sentir o cheiro e ver o brincar dos dedos nos primeiros meses.
Parabéns para ele e para mim também.
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
GEOMETRIA DESCONTRAIDA
A artista é Kima Guitart e cria estas sedas fantásticas partindo do principio desconstrutivo da correctiva métrica de cores, formas, volumes e texturas.
Devo dizer que não resisti.
Construir, desconstruir e reconstruir. Mais do que tudo descontrair, mesmo a geometria.
Por isso gosto tanto de arte, não podendo dizer o mesmo do mundo exacto das matemáticas geométricas contraídas.
domingo, 10 de janeiro de 2010
O SIMBA TEM SEDE
Hoje vou falar do meu cão. Não é um cão qualquer. Ele é o Simba e está comigo desde o dia 19 de Dezembro do ano passado. Não fossem os filhos e o nome dele tinha sido inverno.
Com dois meses, quase três, o animal faz já parte da família, das mensagens e telefonemas que trocamos. Já entrou nas festividades natalicias e tudo. Posso dizer mais : tomou conta da nossa vida por completo : dou por mim a confundir a veterinária com pediatra e até troco bébé por cachorro. Nada a fazer. Quando de manhã acordo e venho abrir a porta, sou reconhecida com a melhor das festas e lambidelas. Não há coração que resista.
45 anos. Alguém diz que é o treino para netos. A necessidade de cuidar, tomar conta, de brincar com travessuras, vem com as crianças e com os animais. Talvez por isso os sentimentos revelados são por vezes tão parecidos. A grande diferença é mesmo os bebes não terem dentes e os cachorros já nascerem com pequenas agulhas finas e cristalinas que adoram braços, dedos e sobretudo o dos pés. As provas físicas dos estragos encontram-se um pouco por toda a família.
Tudo isto vem a propósito de ter tido de parar na estação da auto estrada para o Simba beber água. Digamos que como mãe de humanos era mais eficiente e o saquinho das fraldas acompanhava devidamente as criaturas. Com filhos já namoradeiros esta é uma situação já vivida e esquecida de uns anos a esta parte. No entanto e com temperaturas quase negativas sai do carro e preparei a tigelinha com água para o Simba enquanto eu cá fora tiritava de frio.
O meu cão bebeu a água. Tinha mesmo sede. Voltei para o carro e senti-me bem, muito bem, mesmo. Vou tentar guardar a sensação para quando estiver assim para o aborrecido e não me lembrar da capacidade de ser feliz com "pequenas coisas".
quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
A RUSTICA
Após um longo intervalo, eis que a premência da escrita arrota de novo assim como passageiros em rota de colisão.
Tudo isto para dizer que estou de volta ao mundo das palavras.
A vida modificou-se e com ela vieram prioridades novas e descobertas já previstas. O computador apenas serviu de marco de correio e assim foi sendo durante alguns meses. Nada que seja grave, penso. Tudo o que tenho a dizer não é assim tão importante e fundamental que não possa agora ser relembrado e recontado.
Um novo ano. Para mim, começou em Setembro mas não faz mal. Se o Natal é quando um homem quer, o ano novo também pode ser.
Finalmente: na província e na ruralidade. Eu prefiro a rusticidade de rústica. Pergunto mesmo quantos anos aguardei pelas ruas estreitas de casas e pessoas, pelos cafés simples e despretenciosos e sobretudo pelos serões de invernos frios e chuvosos, pelo menos o deste ano, os outros se verão. Curioso, já quase que estamos no verão mas isso depois falamos.
Também desconfio que só aguardamos pelo que já conhecemos e foi esse o meu caso. Já lhe conhecia o sabor, sentia o seu cheiro e por isso a decisão estava pronta.
Posso assim informar a quem interessar, que doravante quem escreve neste blogue é uma mulher rústica a quem neste natal os filhos ofereceram o melhor presente : um Labrador cachorro que dá pelo nome de Simba, que agora mesmo qual figura ilustrada, está deitado em cima dos meus pés. As mulheres do campo são assim.
Por hoje é tudo. A lareira chama-me.
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