As árvores da rua debaixo continuavam a fazer de concha para proteger os passeantes do calor e do sol do verão. Fechou os olhos e viu um balde e uma pá, uma toalha de praia, a mão da mãe na sua, os primeiros mergulhos aprendidos ao domingo com o pai.
Mais acima o caminho da casa. Da casa, do banho, do almoço, da sesta obrigatória, do lanche e das brincadeiras com o irmão. Da casa onde ficava o quarto de vestir da tia, com as caixas de sapatos, os chapéus de cetim, as bolsas de veludo, e os vestidos elegantes de outros tempos que vestia.
Da casa da Ana, boneca de loiça e corpo de serradura de bolinhas azuis que pertencera à avó.
Dos países imaginários, com mapas construídos pelo tio e dos índios guerreiros na busca da verdade e da justiça. Nunca eram maus esses indios.
Da casa onde aprendeu a revolução francesa, qual heroina romântica a discursar numa praça. Onde bebeu chá com Mao Tsé Tung e acreditou sermos todos iguais. E por fim na idade do amor deixou-se apaixonar pelo sorriso do homem mais bonito do mundo : Che e sonhou ser sua companheira e ir com ele ajudar todos os desprotegidos e oprimidos desta e doutras terras.
Tudo isso estava lá, no caminho da casa. A casa apenas restava nas memórias dela. As pessoas mais velhas já tinham partido. O Mao e o Che também e os ideais tinham dias. De repente num imenso dia de primavera sentiu-se rota, triste, de uma tristeza profunda. Sabem, aquela que não tem lágrimas e que amarga a alma.
Não devia ter voltado ali. Fora lá demasiado feliz.
Nunca devemos voltar onde fomos felizes.
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