De repente os obstáculos deram lugar ao verdadeiro grito do ipiranga :
Adeus, e até para a semana ...
Este é um espaço que se pretende aberto a quem goste de contar histórias e de andar nos turbilhões labirínticos das palavras e das cores como bouquês feitos de lâminas.
O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no teto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos
O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
ótimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projetos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles
Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados
Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)
O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos
Alexandre O'Neill
Estes índios estão preocupados com o destino da Amazónia. Eles e todos, pelo menos os mais lúcidos e atentos. Só que nós vamos gostar da Amazónia possível após todos os acordos e protocolos de Kyoto e outros (valha-nos a esperança nos homens e em Obama).
Eles, no entanto, falam de um tempo que já partiu, sem óculos graduados e direito a primeiras páginas nos jornais. As terras livres para andar e os rios longos e sem tempo para navegar já não fazem parte da sua vida, apenas das suas histórias que de tanto serem contadas já se transformaram em lendas. E os duendes com penas e as fadas com lanças já não moram lá. Como a Alice do Martin Scorsese.
Quem brincou aos índios em miúdo compreende o texto e porventura lamenta a fotografia.
Todos os dias o Homem alto e de chapéu entrava no café e pedia: um copo de leite frio e uma sandes de fiambre. A mesa era sempre a mesma: ao canto, voltada para a parede, ficava resguardada de todos os olhares e dos ruídos mais estridentes do café. Nunca ninguém lhe ouviu outras palavras a não ser: um copo de leite frio, uma sandes de fiambre e um obrigado seco sussurrado debaixo do bigode fino e ralo quando o empregado lhe entregava o troco. Foi assim durante vinte anos: vinte minutos entre as oito e as oito e vinte da manhã. Mil e seiscentas horas no total. Hoje, o homem não apareceu. No seu lugar, sentou-se uma rapariga de cabelo vermelho e pediu um café. Procurou uma mesa e apenas restava aquela voltada para a parede. Com relutância sentou-se voltada para a parede e pensou na incongruência de tal coisa : uma mesa de café voltada para uma parede.
Eu que todos os dias vou ao mesmo café apenas gostava de saber quem era o homem e a razão dele não ter aparecido hoje. Sentada à janela, sim que eu prefiro a luz, limito-me a imaginar a razão da sua ausência e decidi por exclusão de razões que o homem de chapéu preto tinha morrido.
Não faz mal, eu também não gosto de sandes de fiambre.
A imagem chocante de uma índia com um bebé no colo enfrentando a tropa de choque da polícia do Amazonas é uma das fotos vencedoras do concurso World Press Photo, considerado o maior prémio de fotojornalismo do mundo.
O conflito entre a polícia e os índios foi registado pelo fotógrafo Luís Vasconcelos, do jornal A Crítica, de Manaus, em 10 de Março de 2008. Na ocasião, a Polícia Militar do estado foi chamada para expulsar um grupo de 200 sem-tecto de uma faixa de terra privada na zona rural de Manaus. No grupo havia 105 indígenas, de sete etnias.
Morte que mataste Lira,
Morte que mataste Lira,
Morte que mataste Lira,
Mata-me a mim, que sou teu!
Morte que mataste lira
Mata-me a mim que sou teu
Mata-me com os mesmos ferros
Com que a lira morreu
A lira por ser ingrata
Tiranicamente morreu
A morte a mim não me mata
Firme e constante sou eu
Veio um pastor lá da serra
À minha porta bateu
Veio me dar por notícia
Que a minha lira morreu
Adriano Correia de Oliveira
I need another place
Will there be peace
I need another world
This one’s nearly gone
Still have too many dreams
Never seen the light
I need another world
A place where I can go
I’m gonna miss the sea
I’m gonna miss the snow
I’m gonna miss the bees
I’ll miss the things that grow
I’m gonna miss the trees
I’m gonna miss the sun
I’ll miss the animals
Gonna miss you all
I need another place
Will there be peace
I need another world
This ones nearly gone
I’m gonna miss the birds
Singing all their songs
I’m gonna miss the wind
Been kissing me so long
Another world
Another world
Another world
Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.
Mário de Sá Carneiro