Com uma mão come enquanto que a outra pega no livro : romântica desmedida, Luísa vive as tragédias dos apaixonados, os seus sonhos e desventuras chorando com as suas tristezas e ficando feliz com os seus reencontros. Foi-lhe difícil aceitar, a evolução dos beijos recatados dos livros de antigamente para as cenas escaldantes dos actuais, em que os personagens morrem com desejos inconfessáveis. Frases inteiras descrevem poses lascivas, linhas completas com nudezes permitidas, gemidos sussurrados e outras matérias mais ou menos escandalosas que os autores descrevem com tanto pormenor que parecem reais. Aí, Luísa, sente um fervilhar por dentro , um suor de mãos, um fogo no rosto que a leva a pousar o livro, compor a saia e olhar a ver se alguém está por perto, quase com receio que possam adivinhar o que ela está a ler.
A tarde continua igual no escritório. Quando chega às seis horas Luísa sai para apanhar o comboio. Está orgulhosa das suas flores, muito mais bonitas que as das outras mulheres para quem olha. Sim que nesse dia vê-se imensa gente com ramos de flores na mão. Chega a casa, veste-se com o seu melhor vestido e põe a mesa, com velas e tudo.
Na manhã seguinte, quando não acordou, estava tudo como devia : na cama, do lado direito ela própria, do lado esquerdo as flores que tinha comprado para si mesma como presente do dia dos namorados. Sim que não era por ser solteira, nunca ter recebido um beijo de um homem nem um convite para sair, que ia deixar de comemorar a data que ela gostava mais : o dia dos namorados.
Quem me contou esta história foi o gato azul da vizinha do primeiro andar direito. Sem que Luísa soubesse, ele tinha a faculdade de ser invisível e há muitos anos que estava apaixonado por ela, por isso ia e estava com ela em todos os momentos.
Também ele era um romântico ou não fosse um gato invisível e azul.
Sem comentários:
Enviar um comentário