Este é um espaço que se pretende aberto a quem goste de contar histórias e de andar nos turbilhões labirínticos das palavras e das cores como bouquês feitos de lâminas.

domingo, 14 de junho de 2009

DE NOVO NO COMBOIO


Voltei a andar de comboio. E gostei muito outra vez, do que vi, senti e ouvi.

Só não pude gostar do que não li. Passo a explicar.


Quando digo que gostei de voltar a andar de comboio refiro-me aos inter-cidades no interior do País não aos cosmopolitas e burgueses alfas do rico litoral.

Por lá viajam ainda os mesmos de então : estudantes, idosos provincianos, turistas descobridores e pessoas em geral cujas riquezas terrenas não abundam. Sim, porque mesmo o médio dos mais "médiozinhos" Portugueses, mesmo em tempos de crise, prefere o carro apertado e pouco confortável, ao prazer de uma tranquila e apaziguadora viagem de comboio.


As carruagens, mesmo em 2ª classe são agradáveis. Climatizadas, pintadas de cores claras, limpas e espaçosas oferecem ao viajante um espaço confortável e acolhedor . Os lugares são ergonómicos QB, espaçosos, permitindo que o mais volumoso ou o mais alto fique sentado sem os inconvenientes conhecidos de "espartilho" em muitos dos outros meios de transportes.


A tranquilidade e a própria natureza do comboio bem como a dormência que empresta ao seu rolar, leva a que o passageiro seja livre e autónomo nas suas escolhas : do lazer profundo, que vai do dormir descansado ao embalar alternado com o visitar da paisagem, ao ler, fazer palavras cruzadas, conversar, e agora pelas novas tecnologias, poder trabalhar ou não no computador.


O embarque foi feito na Gare do Oriente. O destino, uma pequena cidade do interior. Uma informação perfeita em termos de horários e números das linhas através de uma voz de dicção perfeita e compreensível a todos. A exactidão dos minutos de atraso conferiu tanto na ida quanto na vinda. Nada a comentar, antes pelo contrário.


Apenas o que não vi não gostei. São estas pequenas coisas que infelizmente o nosso espírito pouco observador e descuidado deixa passar e cuja importância releva para segundo lugar características positivas das situações ou dos espaços que nos oferecemos a todos.


Sabemos que o Português é uma língua universal e falada por milhões. No entanto, o nosso País não é um exemplo no que confere à sua preservação a todo o custo, tal como o fazem os nossos vizinhos Espanhóis, por exemplo. O Inglês vale o que vale mas por enquanto é comum a muitos, pelo menos aos muitos que cá estão e mais ainda aos muitos que nos visitam.


Na sala de espera da Gare do Oriente, destinada aos passageiros dos comboios internacionais, cuidadosa e atrevo-me a dizer quase luxuosamente equipada e mobilada, as placas identificadoras com as informações respectivas apenas estão escritas em Português. Convém verificar e rectificar. Junho já cá está e o Verão está a chegar. Além disso não é dispendioso, não dá para invocar a crise para não se fazer.


No geral e para concluir gostei muito de voltar a andar de comboio.


Recomendo-o vivamente a graúdos e a pequenos. Conhecemos as terras de dentro duma janela larga de um comboio em oposição à correria apressada das auto estradas e das vias rápidas que enchem o nosso espaço moderno e que parecem ser para muitos a única alternativa de locomoção. Para os mais pequenos empresta ao imaginário infantil uma outra realidade : Portugal é muito bonito e está cá para o vermos mas é preciso querer olhar e descobrir.


No comboio, temos tempo para o tempo das coisas e isso é muito bom.

" SERÕES DE PROVÍNCIA"


Júlio Dinis tinha razão ao dar este titulo às suas crónicas. Eu, como ele vou tentar retratar, invocando a modéstia concedida aos amadores, os serões da minha província e como apesar de já passado mais de um século, a substância prevalece sobre a forma.

Um serão provincial continua a ser um serão da província.


Os de, os da e os na são importantes nas narrativas. Situam-nos nas ocorrências, determinam intervenientes, estabelecem espaços e dão contornos específicos às histórias. Por esse motivo os utilizamos tanto. Eu gosto sobretudo de pensar na minha província.


Quando o calor dos dias toma conta da terra, as pessoas agradecem as brisas refrescantes das noites e aí acontecem os serões. O espaço comum propicia e contorna encontros não programados. Ocasioanm-se, encontram-se e reúnem-se, numa comunhão de amigos e conhecidos que em redor de uma ou muitas mesas, depende do numero dos comensais, dividem histórias e partilham formas de estar e ser.


Num destes serões e à moda Balzequina, aconteceu uma sessão de poesia. Tivesse eu a mestria e a genialidade de um Dickens e o retrato seria sem duvida mais perfeito para os ausentes. De todas as formas vou tentar : Num repente, como se por magia mágica, as mesas transformaram-se num ofertório de alma, desviando as atenções das suas uguarias mais terrenas, as cadeiras e bancos corridos pareciam poltronas genovesas, e homens ,mulheres e crianças trocaram as indumentarias leves por fatos veludescos, com brocados, rendas e pérolas de enfeite e todos decidiram declamar poesia.


Andou-se muito e fizeram-se quilómetros na viagem das letras e dos livros. Da comédia, qual Gil Vicente reinventado, passámos a Cesariny e O'Neill aclamados na sua contemporaneidade, e depois dos poemas deixámos que entrassem os pensamentos e as reflexões testemunhadas e sentidas por muitos.


Tudo isto num serão de província. Gostámos tanto que já marcámos, datas, planeámos jantares literários e cada um já pensa nos seus autores predilectos com que vai presentear os amigos. Quem está na província, pelo menos na minha, tem tempo para ter agendas culturais não marcadas e confeccionadas individualmente a rigor, qual alfaiate de luxo da Rua do Carmo no tempo de Pessoa ou do Eça. Não há pressa, tudo acontece quando assim tem que ser.


Que a vontade seja forte e a imaginação fértil.


Pela madrugada, arrumava as cadeiras vazias, já bancos rústicos e toscos de novo, pareceu-me ouvir um sussurro. Voltei-me e vi ou não , eu sei que vi, o meu Mário de Sá Carneiro, fazendo um ultimo brinde da noite ao serão da província.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

FAZER DE UM SEM ABRIGO UM AMIGO

Pela primeira vez vou contar uma história real na primeira pessoa. Faço recorrendo ao estilo que pretendo seja o mais objectivo possível. Por envolver outras pessoas apenas as mencionarei pela inicial do nome. O que vou relatar é real e aconteceu durante o mês de Maio comigo e com a minha família.



Acredito como sempre acreditei que ajudar uma pessoa é salvar o mundo. É isso que me move, hoje e sempre. Só me posso sentir priveligiada por ter tido a oportunidade de a poder viver, eu e as minhas pessoas de casa.


Pertenço à Associação Conversa Amiga que tem como objectivo, num dos seus projectos, estabelecer laços de amizade com os sem abrigos. Como voluntária estou incluída em saídas de rua que aos sábados à noite se dirigem a vários locais da cidade de Lisboa com uns carrinhos com chá e produtos de higiéne, mas sobretudo com muita disponibilidade e afectividade para ouvir e conversar.


O voluntariado como se sabe promove a nossa auto estima e sentimos que ali somos importantes, seja na oferta de um chá, num abraço que se dá, numa festa de anos que se faz ou num curativo que se aprende a fazer. Dias bons e dias difíceis. Como a vida. Só que lá somos precisos, essenciais e isso nem sempre acontece com o resto das coisas que fazemos no nosso dia a dia.


Foi numa destas saídas que conheci o D, o Romeno, que na Praça do Comércio aguardava a carrinha da distribuição de comida. Chamou-me a atenção o seu jeito mudo e interrogativo. Era como se estivesse a observar e não a pedir. Cheguei-me a ele e começámos a conversar. Contou-me que nas férias da Páscoa ia à Roménia e que tinha sido roubado em Santa Apolónia não tendo tido ajudas da embaixada, pelo que sem dinheiro e sem trabalho, dormia debaixo do aqueduto das águas livres e que ia às arcadas da Praça do Comércio todos os dias buscar a comida. Só duas semanas depois e já em minha casa, soube que durante o dia, o D, ficava na FNAC para poder ler de graça e visitar os museus onde não se pagava entrada.


Naquela noite, perguntei-lhe se ele precisava de alguma coisa, roupas, ou outros artigos. Disse-me que não. Ainda hoje me interrogo porque lhe fiz a pergunta: e livros? os olhos do D até aí inexpressivos, brilharam de emoção e descobri que a leitura é uma linguagem universal para quem adora ler.


No dia 23 de Maio, data da saída posterior viajavam comigo : o Zé, o meu marido, um grupo de uma universidade e dois livros para o D. Assim que chegámos às arcadas lá estava ele e quando nos abraçamos era como se de dois amigos se tratasse. Os livros foram trocados por nomes de instituições que ajudam emigrantes de leste e que talvez pudessem resolver o seu caso. No meio soube que ele era jornalista na Roménia e que só tinha vindo para Portugal porque a diferença de ordenados era imensa : como jornalista na Roménia ganhava 200,00 Euros e em Portugal a trabalhar como empregado numa fábrica de cortiça ganhava 75,00 Euros por dia. Falámos de muitas coisas numa noite de chuva que parecia não ter fim.


De repente alguém me toca no braço e pede para falar comigo. Era o F, aluno da Universidade e um dos membros do grupo da visita. Perguntou-me se a história do D me parecia verdadeira ao que eu lhe respondi que sim. Olhou para mim, tocou-me no braço e disse para não me preocupar mais que ele punha o D na Roménia. Confesso que ao principio não entendi. O F teve de explicar : ele pagava o bilhete de avião para o D poder voltar para casa.


Das emoções seguidas entre nós os três, abraços e choros debaixo de uma paragem de autocarro, não vou falar. Não consigo transmitir por palavras o meu " NATAL EM MAIO" : a dádiva genuína , o agradecimento e o turbilhão de sentimentos de quem volta a acreditar que todos somos bons e próximos, apenas cabem numa única palavra : PARTILHA.


Temo que me esteja a alongar.

Resumindo, o F pagaria a viagem, a Conversa Amiga através do seu director, acompanharia o processo e o D foi para minha casa na 4ª feira à noite tendo embarcado para a Roménia na 6ª feira ao meio dia.


Dos dois dias de convivio familiar, comigo com o Zé e os meus dois filhos, o Simão e o Tomás de 20 e 15 anos apenas vou dar conta do primeiro jantar que ficará para sempre guardado na lembrança e na memória dos cinco felizardos que o viveram.


Uma mesa de jantar. Bacalhau e salada. Na televisão uma final da taça. Os homens da casa, incluindo o D, adoravam footeball e sabiam os nomes dos jogadores e equipas. Trocaram-se depois receitas culinárias. Falou-se de jornalismo já que o Simão está a terminar o curso de Comunicação Social. Musica, muita musica. Pink Floyd, a banda predilecta do D, Clash os ídolos do Zé. SoapBox a banda do Simão que vai tocar ao SuperBock no próximo dia 11 de Julho no Porto mas que já passa na rádio Transilvânia da Roménia. Jogos de computador, evidente. O D jogava on line o mesmo jogo que o Tomás joga. E livros, muitos livros. Miguel Esteves Cardoso. o MEC, já com os fans caseiros e agora mais um, o D Romeno. Pintura, claro, a dona da casa pinta, as paredes estavam repletas de telas. O génio do meu Picasso foi discutido com o exuberante Dali do D.

Um café, bolachas de canela e um cigarro para os mais velhos. E Filmes ? os mesmos, Clint, o grande mestre, Million Dollar Baby, um filme aplaudido por todos.


A sexta feira da partida. Passsaram tão depressa os dias. Como explicar, que fazer de um sem abrigo um amigo é verdadeiro, que pode ser possível, que acontece mesmo. Não sei. Apenas digo que foi difícil dizer adeus a um amigo que provavelmente não se tornará a ver.


Os mails resolvem em parte a ausência e as saudades. Desde aí têm sido muitos. O D já é de novo jornalista na Roménia e esteve esta semana a fazer a cobertura de um festival de cinema. Notícias felizes e outras menos boas. Hoje soubemos que a tia do D tinha falecido e foi com um sentimento de amizade profunda que lhe mandámos um abraço dos amigos de Portugal.


Afinal, para nos conhecermos e gostarmos uns dos outros não precisamos de quase nada :

Apenas de sermos quem somos e como somos.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

UMA QUESTÃO DE NERVOS


Estar doente no verão é uma chatice. Mesmo quando se é uma pessoa com doença, nem sempre se está com a dita, descansa-se de vez em quando o que é muito bom.

Voltemos ao verão que sem ser já é. Podia ter vindo de mansinho, devagarinho, pé ante pé, mas não, decidiu que chegaria de rompante, aos sopetões, e o resto viria por acréscimo.


De facto, o Verão e a Doença são parecidos : não se anunciam, instalam-se e não há mais do que resignadamente suportar os seus ânimos e caprichos. A força de vontade que um humano tem de fazer para os domar é um esforço em vão. Os seus caprichos são demasiado mesquinhos para se condoerem perante os desejos de um comum mortal. Não adianta pensar o que se fez mal antes e dizer que se vai ter cuidado agora, tal como constante e "Portuguesmente" maldizemos o frio no inverno e chamamos por ele no verão.


Contrariar a natureza das coisas é sempre dificil : é preferível não estrebuchar. A resignação e a esperança em dias melhores e mais frescos é mesmo a melhor atitude, até porque dores com calor só podem dar uma coisa : nervos.


E nós não queremos ficar doentes nervosos no verão.