Digressões Periféricas

Este é um espaço que se pretende aberto a quem goste de contar histórias e de andar nos turbilhões labirínticos das palavras e das cores como bouquês feitos de lâminas.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

ENQUANTO CONSEGUIRMOS




A violência gratuita é uma das coisas, talvez aquela entre todas as outras, a que mais me impressiona pelos contornos verdadeiramente dantescos que impõe a quem com ela convive, ou simplesmente se confronta por qualquer razão.

Somos deparados diariamente e de uma forma muitas vezes arbitrária com gritos, desacatos, choros e outros sinais visíveis de raras irracionalidades. O que me assusta cada vez mais, é que acaba sempre numa bola de neve, numa espiral sem fim, a que o ruído de fundo concebe a melodia própria de uma sinfonia mortal.

Doí tanto mais quanto mais banal se torna. A incapacidade de muitos de nós em sentir compaixão por quem é atingido subitamente por ela é qualquer coisa de absurdo. Fecham-se janelas, correm-se portas para não se ver, para não se ouvir e enquanto não é connosco dormimos descansados.

Enquanto conseguirmos.

segunda-feira, 29 de março de 2010

QUANDO EU ERA NOVA


Quando eu era nova não questionava.
Era branco e preto.
Assim diziam e eu aproveitava para desacreditar
por isso aprendi todos os tons de cinzento.

Quando cresci só ficaram manchas
daquelas esbatidas e borradas nas franjas
dos papeis amarrotados e rasgados
que cantavam canções negras de um libreto.

Agora voltei ao preto, ao branco e aos outros
só já não sei dos meus papeis contados e partidos
dos suores dos gritos escondidos
nem do cheiro do branco e do preto no gosto dos meus passos perdidos.

sábado, 27 de março de 2010

LUAS E OUTRAS COISAS


Eu gosto das laranjas porque têm a cor da lua.
lá não passam autocarros e os gomos são buracos fundos e abertos
que no corpo do vagabundo abundam e na terra cheiram a carne crua.

Quem como eu gostar da lua que não vista o negro do carvão.
Quando sentir o amargo do fel da mão na mão, pinte o corpo do vagabundo
da cor da laranja nua e fria que tem a cor da lua num dia de solidão.

Não contem segredos nem desalinhas, nem tão pouco entrelinhas
que os gomos da lua são linhas tortuosas e manhosas que só sabem cantar e cheirar
o laranja da lua.

Sim, porque a lua tem a cor da laranja.

TEMPOS MODERNOS


Finalmente o facebook. Não sei porquê. Agora não faz sentido, mas antes também não. Assim sendo e para além das duvidas resta-me saber as novidades de amigos e de amigos e conhecidos dos amigos pelo computador o que fica mais barato e dá menos trabalho.

Devo confessar que até agora e com um dia apenas de "facebookeana" que a sensação é estranha. Passo a explicar. As pessoas fazem perguntas, convidam para aderir a causas e solicitam a minha companhia nos múltiplos jogos. Percebo agora porque é que passam tanto tempo com esta brincadeira.

Bem hoje fui a Castelo Branco. A paisagem é linda até lá. Quando chegamos é como aportar em qualquer cidade de qualquer País. Pouco ou nada há que a identifique. Os mesmos centros comerciais, os hipermercados e os famosos fastfood, não vá a gente das serras já não saber o quê e como se come.

Esta é outra realidade que me deixa muito pensativa. Será que a globalização tem de ser assim? podemos ou não ser um bocadinho diferentes uns dos outros? como irão os meus netos ver Castelo Branco e distinguir que não estão em Andorra.

Comparadas com estas questões o meu facebook é mesmo uma brincadeira de crianças. Só que de crianças mais velhas.

Sim, porque nós os grandes também precisamos de brincar uns com os outros.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

OS ANOS DOS NOSSOS ANOS


No dia anterior ao que os nossos filhos fazem anos, invade-nos uma espécie de nostalgia lenta, cálida quase "embalativa", tanto mais forte quantos mais os anos passam.

Fazemos um retrocesso emocional e eis que a sensação se torna física. O Damásio tem razão. As coisas andam mesmo juntas. De repente eis que o filho agora grande e homem feito volta a ser aquele ser desconhecido que uns anos antes entrou na nossa vida e cuja existência determinou a nossa para sempre.

As recordações são sábias. Com a idade, esquecemos com facilidade as trivialidades diárias e podemos enumerar quase textualmente o passado mais distante. Talvez por isso os anos dos filhos sejam sempre um teste à nossa capacidade de ver passar o tempo e de sobretudo fazer dos anos deles os nossos anos também. As nossas histórias confundem-se, interligam-se e unem-se num mapa sempre em reconstrução.

Recordo neste momento as mãos de bebé que felizmente para mim, o meu filho manteve durante muitos anos. Sapudas, refegosas, quentinhas e sou capaz de lhes sentir o cheiro e ver o brincar dos dedos nos primeiros meses.

Parabéns para ele e para mim também.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

GEOMETRIA DESCONTRAIDA





A artista é Kima Guitart e cria estas sedas fantásticas partindo do principio desconstrutivo da correctiva métrica de cores, formas, volumes e texturas.

Devo dizer que não resisti.

Construir, desconstruir e reconstruir. Mais do que tudo descontrair, mesmo a geometria.

Por isso gosto tanto de arte, não podendo dizer o mesmo do mundo exacto das matemáticas geométricas contraídas.

domingo, 10 de janeiro de 2010

O SIMBA TEM SEDE


Hoje vou falar do meu cão. Não é um cão qualquer. Ele é o Simba e está comigo desde o dia 19 de Dezembro do ano passado. Não fossem os filhos e o nome dele tinha sido inverno.

Com dois meses, quase três, o animal faz já parte da família, das mensagens e telefonemas que trocamos. Já entrou nas festividades natalicias e tudo. Posso dizer mais : tomou conta da nossa vida por completo : dou por mim a confundir a veterinária com pediatra e até troco bébé por cachorro. Nada a fazer. Quando de manhã acordo e venho abrir a porta, sou reconhecida com a melhor das festas e lambidelas. Não há coração que resista.

45 anos. Alguém diz que é o treino para netos. A necessidade de cuidar, tomar conta, de brincar com travessuras, vem com as crianças e com os animais. Talvez por isso os sentimentos revelados são por vezes tão parecidos. A grande diferença é mesmo os bebes não terem dentes e os cachorros já nascerem com pequenas agulhas finas e cristalinas que adoram braços, dedos e sobretudo o dos pés. As provas físicas dos estragos encontram-se um pouco por toda a família.

Tudo isto vem a propósito de ter tido de parar na estação da auto estrada para o Simba beber água. Digamos que como mãe de humanos era mais eficiente e o saquinho das fraldas acompanhava devidamente as criaturas. Com filhos já namoradeiros esta é uma situação já vivida e esquecida de uns anos a esta parte. No entanto e com temperaturas quase negativas sai do carro e preparei a tigelinha com água para o Simba enquanto eu cá fora tiritava de frio.

O meu cão bebeu a água. Tinha mesmo sede. Voltei para o carro e senti-me bem, muito bem, mesmo. Vou tentar guardar a sensação para quando estiver assim para o aborrecido e não me lembrar da capacidade de ser feliz com "pequenas coisas".



quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

A RUSTICA


Após um longo intervalo, eis que a premência da escrita arrota de novo assim como passageiros em rota de colisão.

Tudo isto para dizer que estou de volta ao mundo das palavras.


A vida modificou-se e com ela vieram prioridades novas e descobertas já previstas. O computador apenas serviu de marco de correio e assim foi sendo durante alguns meses. Nada que seja grave, penso. Tudo o que tenho a dizer não é assim tão importante e fundamental que não possa agora ser relembrado e recontado.


Um novo ano. Para mim, começou em Setembro mas não faz mal. Se o Natal é quando um homem quer, o ano novo também pode ser.


Finalmente: na província e na ruralidade. Eu prefiro a rusticidade de rústica. Pergunto mesmo quantos anos aguardei pelas ruas estreitas de casas e pessoas, pelos cafés simples e despretenciosos e sobretudo pelos serões de invernos frios e chuvosos, pelo menos o deste ano, os outros se verão. Curioso, já quase que estamos no verão mas isso depois falamos.


Também desconfio que só aguardamos pelo que já conhecemos e foi esse o meu caso. Já lhe conhecia o sabor, sentia o seu cheiro e por isso a decisão estava pronta.


Posso assim informar a quem interessar, que doravante quem escreve neste blogue é uma mulher rústica a quem neste natal os filhos ofereceram o melhor presente : um Labrador cachorro que dá pelo nome de Simba, que agora mesmo qual figura ilustrada, está deitado em cima dos meus pés. As mulheres do campo são assim.


Por hoje é tudo. A lareira chama-me.

sábado, 1 de agosto de 2009

A LIBERDADE DO VERÃO

No verão podemos brincar. Até mesmo com coisas sérias. A liberdade do tempo dá para pintar onde bem queremos. Neste momento apenas me falta o spray e seria mais uma fazedora de paredes coloridas.
Não importa serem grandes obras para ficarem expostas. O gozo de as fazer é tão importante como cozinhar um bom jantar para os amigos e ficar tempos infinitos numa mesa com restos de vinho e pratos e restos de doces. O verão é mesmo assim. Cada um faz o que mais gosta. E eu gosto de brincar com as cores. Só isso.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

BURRA PENSADORA


O que nós aprendemos na idade em que é suposto sabermos muita coisa, é algo que cada vez mais me leva a desconfiar das histórias que BURRO VELHO NÃO APRENDE LINGUAS.


Pura mentira e maior injustiça ainda. Nem sempre o povo tem razão.


Não sou velha. Digamos que estou a meio do caminho se não houver mudanças bruscas de direcção. Gosto da sensação de conforto desta "meia idade", nem novo, nem demasiado velha ainda, para me serem condenáveis grandes ou pequenas loucuras.


Quando a vida parece estar já arrumada, vem daí a vontade ou a falta dela e aí vamos nós por novos caminhos. Apesar de tudo, a novidade do risco, dá sempre conta das contas da gente e não há nada a fazer : pensar e repensar, agir ou não, no meu caso mudar e zurrar também.


Como fazemos então para escolher, para saber. Como quando tínhamos a idade menor da meia idade, os "ses" são a alma do não e os caminhos desejados ficam na escada ou nos vãos delas e quando nós as descemos ou subimos, aí estão eles a acenar com a mão.


Por isso, a decisão é a melhor parte do conhecimento. Esquecemos o que queremos e apenas ficamos com as vontades e isso sim, apesar das dores das costas e dos óculos de ver ao perto, desejamos coisas que por vezes resultam. Pelo menos tentámos, dizemos nós, os personagens do des-conhecimento e da teimosia.


Tudo porque somos meias idades com muitos conhecimentos mas queremos ser velhos menos resignados. Como os burros, a falar inglês e francês.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

SOAPBOX

SOAPBOX OU CAIXA DE SABÃO
DIZER QUE SIM OU DIZER QUE NÃO
QUEM VIER POR BEM ANDARÁ PELA MÃO
DE TODOS OS QUE LÁ SÃO

domingo, 14 de junho de 2009

DE NOVO NO COMBOIO


Voltei a andar de comboio. E gostei muito outra vez, do que vi, senti e ouvi.

Só não pude gostar do que não li. Passo a explicar.


Quando digo que gostei de voltar a andar de comboio refiro-me aos inter-cidades no interior do País não aos cosmopolitas e burgueses alfas do rico litoral.

Por lá viajam ainda os mesmos de então : estudantes, idosos provincianos, turistas descobridores e pessoas em geral cujas riquezas terrenas não abundam. Sim, porque mesmo o médio dos mais "médiozinhos" Portugueses, mesmo em tempos de crise, prefere o carro apertado e pouco confortável, ao prazer de uma tranquila e apaziguadora viagem de comboio.


As carruagens, mesmo em 2ª classe são agradáveis. Climatizadas, pintadas de cores claras, limpas e espaçosas oferecem ao viajante um espaço confortável e acolhedor . Os lugares são ergonómicos QB, espaçosos, permitindo que o mais volumoso ou o mais alto fique sentado sem os inconvenientes conhecidos de "espartilho" em muitos dos outros meios de transportes.


A tranquilidade e a própria natureza do comboio bem como a dormência que empresta ao seu rolar, leva a que o passageiro seja livre e autónomo nas suas escolhas : do lazer profundo, que vai do dormir descansado ao embalar alternado com o visitar da paisagem, ao ler, fazer palavras cruzadas, conversar, e agora pelas novas tecnologias, poder trabalhar ou não no computador.


O embarque foi feito na Gare do Oriente. O destino, uma pequena cidade do interior. Uma informação perfeita em termos de horários e números das linhas através de uma voz de dicção perfeita e compreensível a todos. A exactidão dos minutos de atraso conferiu tanto na ida quanto na vinda. Nada a comentar, antes pelo contrário.


Apenas o que não vi não gostei. São estas pequenas coisas que infelizmente o nosso espírito pouco observador e descuidado deixa passar e cuja importância releva para segundo lugar características positivas das situações ou dos espaços que nos oferecemos a todos.


Sabemos que o Português é uma língua universal e falada por milhões. No entanto, o nosso País não é um exemplo no que confere à sua preservação a todo o custo, tal como o fazem os nossos vizinhos Espanhóis, por exemplo. O Inglês vale o que vale mas por enquanto é comum a muitos, pelo menos aos muitos que cá estão e mais ainda aos muitos que nos visitam.


Na sala de espera da Gare do Oriente, destinada aos passageiros dos comboios internacionais, cuidadosa e atrevo-me a dizer quase luxuosamente equipada e mobilada, as placas identificadoras com as informações respectivas apenas estão escritas em Português. Convém verificar e rectificar. Junho já cá está e o Verão está a chegar. Além disso não é dispendioso, não dá para invocar a crise para não se fazer.


No geral e para concluir gostei muito de voltar a andar de comboio.


Recomendo-o vivamente a graúdos e a pequenos. Conhecemos as terras de dentro duma janela larga de um comboio em oposição à correria apressada das auto estradas e das vias rápidas que enchem o nosso espaço moderno e que parecem ser para muitos a única alternativa de locomoção. Para os mais pequenos empresta ao imaginário infantil uma outra realidade : Portugal é muito bonito e está cá para o vermos mas é preciso querer olhar e descobrir.


No comboio, temos tempo para o tempo das coisas e isso é muito bom.

" SERÕES DE PROVÍNCIA"


Júlio Dinis tinha razão ao dar este titulo às suas crónicas. Eu, como ele vou tentar retratar, invocando a modéstia concedida aos amadores, os serões da minha província e como apesar de já passado mais de um século, a substância prevalece sobre a forma.

Um serão provincial continua a ser um serão da província.


Os de, os da e os na são importantes nas narrativas. Situam-nos nas ocorrências, determinam intervenientes, estabelecem espaços e dão contornos específicos às histórias. Por esse motivo os utilizamos tanto. Eu gosto sobretudo de pensar na minha província.


Quando o calor dos dias toma conta da terra, as pessoas agradecem as brisas refrescantes das noites e aí acontecem os serões. O espaço comum propicia e contorna encontros não programados. Ocasioanm-se, encontram-se e reúnem-se, numa comunhão de amigos e conhecidos que em redor de uma ou muitas mesas, depende do numero dos comensais, dividem histórias e partilham formas de estar e ser.


Num destes serões e à moda Balzequina, aconteceu uma sessão de poesia. Tivesse eu a mestria e a genialidade de um Dickens e o retrato seria sem duvida mais perfeito para os ausentes. De todas as formas vou tentar : Num repente, como se por magia mágica, as mesas transformaram-se num ofertório de alma, desviando as atenções das suas uguarias mais terrenas, as cadeiras e bancos corridos pareciam poltronas genovesas, e homens ,mulheres e crianças trocaram as indumentarias leves por fatos veludescos, com brocados, rendas e pérolas de enfeite e todos decidiram declamar poesia.


Andou-se muito e fizeram-se quilómetros na viagem das letras e dos livros. Da comédia, qual Gil Vicente reinventado, passámos a Cesariny e O'Neill aclamados na sua contemporaneidade, e depois dos poemas deixámos que entrassem os pensamentos e as reflexões testemunhadas e sentidas por muitos.


Tudo isto num serão de província. Gostámos tanto que já marcámos, datas, planeámos jantares literários e cada um já pensa nos seus autores predilectos com que vai presentear os amigos. Quem está na província, pelo menos na minha, tem tempo para ter agendas culturais não marcadas e confeccionadas individualmente a rigor, qual alfaiate de luxo da Rua do Carmo no tempo de Pessoa ou do Eça. Não há pressa, tudo acontece quando assim tem que ser.


Que a vontade seja forte e a imaginação fértil.


Pela madrugada, arrumava as cadeiras vazias, já bancos rústicos e toscos de novo, pareceu-me ouvir um sussurro. Voltei-me e vi ou não , eu sei que vi, o meu Mário de Sá Carneiro, fazendo um ultimo brinde da noite ao serão da província.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

FAZER DE UM SEM ABRIGO UM AMIGO

Pela primeira vez vou contar uma história real na primeira pessoa. Faço recorrendo ao estilo que pretendo seja o mais objectivo possível. Por envolver outras pessoas apenas as mencionarei pela inicial do nome. O que vou relatar é real e aconteceu durante o mês de Maio comigo e com a minha família.



Acredito como sempre acreditei que ajudar uma pessoa é salvar o mundo. É isso que me move, hoje e sempre. Só me posso sentir priveligiada por ter tido a oportunidade de a poder viver, eu e as minhas pessoas de casa.


Pertenço à Associação Conversa Amiga que tem como objectivo, num dos seus projectos, estabelecer laços de amizade com os sem abrigos. Como voluntária estou incluída em saídas de rua que aos sábados à noite se dirigem a vários locais da cidade de Lisboa com uns carrinhos com chá e produtos de higiéne, mas sobretudo com muita disponibilidade e afectividade para ouvir e conversar.


O voluntariado como se sabe promove a nossa auto estima e sentimos que ali somos importantes, seja na oferta de um chá, num abraço que se dá, numa festa de anos que se faz ou num curativo que se aprende a fazer. Dias bons e dias difíceis. Como a vida. Só que lá somos precisos, essenciais e isso nem sempre acontece com o resto das coisas que fazemos no nosso dia a dia.


Foi numa destas saídas que conheci o D, o Romeno, que na Praça do Comércio aguardava a carrinha da distribuição de comida. Chamou-me a atenção o seu jeito mudo e interrogativo. Era como se estivesse a observar e não a pedir. Cheguei-me a ele e começámos a conversar. Contou-me que nas férias da Páscoa ia à Roménia e que tinha sido roubado em Santa Apolónia não tendo tido ajudas da embaixada, pelo que sem dinheiro e sem trabalho, dormia debaixo do aqueduto das águas livres e que ia às arcadas da Praça do Comércio todos os dias buscar a comida. Só duas semanas depois e já em minha casa, soube que durante o dia, o D, ficava na FNAC para poder ler de graça e visitar os museus onde não se pagava entrada.


Naquela noite, perguntei-lhe se ele precisava de alguma coisa, roupas, ou outros artigos. Disse-me que não. Ainda hoje me interrogo porque lhe fiz a pergunta: e livros? os olhos do D até aí inexpressivos, brilharam de emoção e descobri que a leitura é uma linguagem universal para quem adora ler.


No dia 23 de Maio, data da saída posterior viajavam comigo : o Zé, o meu marido, um grupo de uma universidade e dois livros para o D. Assim que chegámos às arcadas lá estava ele e quando nos abraçamos era como se de dois amigos se tratasse. Os livros foram trocados por nomes de instituições que ajudam emigrantes de leste e que talvez pudessem resolver o seu caso. No meio soube que ele era jornalista na Roménia e que só tinha vindo para Portugal porque a diferença de ordenados era imensa : como jornalista na Roménia ganhava 200,00 Euros e em Portugal a trabalhar como empregado numa fábrica de cortiça ganhava 75,00 Euros por dia. Falámos de muitas coisas numa noite de chuva que parecia não ter fim.


De repente alguém me toca no braço e pede para falar comigo. Era o F, aluno da Universidade e um dos membros do grupo da visita. Perguntou-me se a história do D me parecia verdadeira ao que eu lhe respondi que sim. Olhou para mim, tocou-me no braço e disse para não me preocupar mais que ele punha o D na Roménia. Confesso que ao principio não entendi. O F teve de explicar : ele pagava o bilhete de avião para o D poder voltar para casa.


Das emoções seguidas entre nós os três, abraços e choros debaixo de uma paragem de autocarro, não vou falar. Não consigo transmitir por palavras o meu " NATAL EM MAIO" : a dádiva genuína , o agradecimento e o turbilhão de sentimentos de quem volta a acreditar que todos somos bons e próximos, apenas cabem numa única palavra : PARTILHA.


Temo que me esteja a alongar.

Resumindo, o F pagaria a viagem, a Conversa Amiga através do seu director, acompanharia o processo e o D foi para minha casa na 4ª feira à noite tendo embarcado para a Roménia na 6ª feira ao meio dia.


Dos dois dias de convivio familiar, comigo com o Zé e os meus dois filhos, o Simão e o Tomás de 20 e 15 anos apenas vou dar conta do primeiro jantar que ficará para sempre guardado na lembrança e na memória dos cinco felizardos que o viveram.


Uma mesa de jantar. Bacalhau e salada. Na televisão uma final da taça. Os homens da casa, incluindo o D, adoravam footeball e sabiam os nomes dos jogadores e equipas. Trocaram-se depois receitas culinárias. Falou-se de jornalismo já que o Simão está a terminar o curso de Comunicação Social. Musica, muita musica. Pink Floyd, a banda predilecta do D, Clash os ídolos do Zé. SoapBox a banda do Simão que vai tocar ao SuperBock no próximo dia 11 de Julho no Porto mas que já passa na rádio Transilvânia da Roménia. Jogos de computador, evidente. O D jogava on line o mesmo jogo que o Tomás joga. E livros, muitos livros. Miguel Esteves Cardoso. o MEC, já com os fans caseiros e agora mais um, o D Romeno. Pintura, claro, a dona da casa pinta, as paredes estavam repletas de telas. O génio do meu Picasso foi discutido com o exuberante Dali do D.

Um café, bolachas de canela e um cigarro para os mais velhos. E Filmes ? os mesmos, Clint, o grande mestre, Million Dollar Baby, um filme aplaudido por todos.


A sexta feira da partida. Passsaram tão depressa os dias. Como explicar, que fazer de um sem abrigo um amigo é verdadeiro, que pode ser possível, que acontece mesmo. Não sei. Apenas digo que foi difícil dizer adeus a um amigo que provavelmente não se tornará a ver.


Os mails resolvem em parte a ausência e as saudades. Desde aí têm sido muitos. O D já é de novo jornalista na Roménia e esteve esta semana a fazer a cobertura de um festival de cinema. Notícias felizes e outras menos boas. Hoje soubemos que a tia do D tinha falecido e foi com um sentimento de amizade profunda que lhe mandámos um abraço dos amigos de Portugal.


Afinal, para nos conhecermos e gostarmos uns dos outros não precisamos de quase nada :

Apenas de sermos quem somos e como somos.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

UMA QUESTÃO DE NERVOS


Estar doente no verão é uma chatice. Mesmo quando se é uma pessoa com doença, nem sempre se está com a dita, descansa-se de vez em quando o que é muito bom.

Voltemos ao verão que sem ser já é. Podia ter vindo de mansinho, devagarinho, pé ante pé, mas não, decidiu que chegaria de rompante, aos sopetões, e o resto viria por acréscimo.


De facto, o Verão e a Doença são parecidos : não se anunciam, instalam-se e não há mais do que resignadamente suportar os seus ânimos e caprichos. A força de vontade que um humano tem de fazer para os domar é um esforço em vão. Os seus caprichos são demasiado mesquinhos para se condoerem perante os desejos de um comum mortal. Não adianta pensar o que se fez mal antes e dizer que se vai ter cuidado agora, tal como constante e "Portuguesmente" maldizemos o frio no inverno e chamamos por ele no verão.


Contrariar a natureza das coisas é sempre dificil : é preferível não estrebuchar. A resignação e a esperança em dias melhores e mais frescos é mesmo a melhor atitude, até porque dores com calor só podem dar uma coisa : nervos.


E nós não queremos ficar doentes nervosos no verão.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

domingo, 24 de maio de 2009

NOITE DE NATAL EM MAIO


Três pessoas, dois homens e uma mulher numa paragem do autocarro à noite. Chovia muito e os três abraçavam-se, choravam e riam. Quem passou por lá, pensou tratar-se de uma família infeliz, num desastre, quem sabe numa morte. A vida humana tem-nos ensinado sempre o pior. As boas coisas costumam acontecer tão poucas vezes que já nem ocorre pensar nelas, quanto mais na possibilidade de poderem acontecer.


Eu que estava por lá e vi tudo o que se passou, vou contar a história, como deve ser:


Era uma vez um homem muito pobre que vivia na rua porque não tinha casa. Esse senhor tinha vindo dum País distante em busca de uma vida melhor. Na terra dele contava histórias, era jornalista, depois quando chegou a este reino teve de trabalhar numa fábrica de cortiça.

Na Páscoa, com saudades da tia muito velhinha que o tinha criado, decidiu ir à sua terra e fazer-lhe a surpresa da visita.

Agora vem a parte mais triste desta história. Foi roubado e levaram-lhe a mala com as roupas e o dinheiro. E assim, ele teve de passar a dormir nas ruas da cidade.


Há uns tempos, a menina dos chocolates, que de vez em quando vai com os seus amigos visitar os que moram lá, conheceu o senhor pobre. Perguntou-lhe se ele precisava de alguma coisa e ele disse que apenas sentia a falta de não ter livros.

Passados uns dias, a menina foi lá de novo, levou-lhe dois livros e passaram o resto da noite a conversar. O senhor pobre só queria poder arranjar um emprego para poder voltar de novo para o seu País.


Acontece que nessa noite a menina mais os seus amigos vinham acompanhados de uns convidados ilustres do reino. Viram e falaram com as pessoas que estavam na rua e a menina achou que estava tudo a correr bem. Apesar de importantes, pareciam ser pessoas de bom coração e bem intencionadas.


Quando a menina estava a ver se era necessário mais alguma coisa, chega-se ao pé dela o Príncipe do Reino Feliz que também tinha vindo na comitiva. Ao ver a menina e o Senhor Pobre, ele como Senhor da Felicidade, resolveu fazer acontecer o desejo do Senhor pobre.


Quase como uma fada, ele ofereceu um tapete voador todo bordado a ouro, para o senhor pobre poder regressar ao seu país. A menina estava tão contente que não sabia o que fazer, se rir, se chorar, se abraçar o Príncipe. Só lhe apetecia mesmo era cantar.


O senhor pobre deu-lhe um abraço tão forte como as coisas mais fortes do mundo e virando-se para o Príncipe fez-lhe uma vénia de respeito e gratidão.


Depois de combinarem as coisas de uma viagem tão grande, todos foram para as suas casas felizes e cansados de tantas emoções: O senhor pobre porque tinha realizado o seu sonho e a menina dos chocolates porque tinha juntado os dois.

Quanto ao Príncipe da felicidade, quando o vieram buscar na sua carruagem dourada sorria, como só fazem os homens bons depois de fazerem coisas muito generosas.


E assim acaba a história e viveram felizes para sempre, sempre, sempre ... quando pensavam naquela paragem de autocarro.


Dedico esta história ao Príncipe feliz e ao Senhor Pobre.


E a todas as minhas pessoas também.

Vale a pena acreditar que é possível ser NATAL EM MAIO.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

LES MISERABLES


KO ou OK nunca se sabe. A expressão não é minha, é do cientista António Damásio que percebe muito mais do que a maior parte das pessoas 0 que aflige o cérebro do comum dos mortais para se estar KO ou OK.


Nos tempos que passam todos parecemos andar um pouco KO. A conjuntura não é favorável e os problemas e angustias pessoais florescem que nem papoilas na primavera. Ninguém disse que tudo tinha de ser fácil mas o que é certo é que a facilidade, companheira da "felicidade quotidiana", é bem mais fácil de tolerar do que o sofrimento e as tristezas diárias.


Como fazer então, como escolher, como decidir o que nos faz ou não pessoas KO ou OK. Existem por aí uns gurus da felicidade que têm receitas de como ser feliz numa semana.

Se alguém conhecer um caso de sucesso eu deixo o meu mail, telefone , telemóvel pago logo e dou o menu a familiares e amigos necessitados.


Mantém-se sempre a incógnita que já vem de longe, eu diria mesmo desde sempre. Só que agora é talvez mais difícil. A felicidade é-nos injectada pela vida dentro, como um bem adquirido e quem não a tem ou não a sente tem se ser necessáriamente o mais miserável entre os LES MISERABLES restantes.


Deixemos as falácias, cada um com cada qual, saberá que KO ou OK faz parte da vida e que tudo é passageiro, como a nuvem da canção. Felicidade e tristeza. Nós somos assim.


Não há receitas, cada um porá QB, no seu KO ou no seu OK.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

domingo, 17 de maio de 2009

TEMPO PARA FAZER COISAS

TEMPO PARA FAZER GINÁSTICA

TEMPO PARA COMPRAR SAPATOS

TEMPO PARA COMER CEREJAS