Este é um espaço que se pretende aberto a quem goste de contar histórias e de andar nos turbilhões labirínticos das palavras e das cores como bouquês feitos de lâminas.

domingo, 14 de junho de 2009

" SERÕES DE PROVÍNCIA"


Júlio Dinis tinha razão ao dar este titulo às suas crónicas. Eu, como ele vou tentar retratar, invocando a modéstia concedida aos amadores, os serões da minha província e como apesar de já passado mais de um século, a substância prevalece sobre a forma.

Um serão provincial continua a ser um serão da província.


Os de, os da e os na são importantes nas narrativas. Situam-nos nas ocorrências, determinam intervenientes, estabelecem espaços e dão contornos específicos às histórias. Por esse motivo os utilizamos tanto. Eu gosto sobretudo de pensar na minha província.


Quando o calor dos dias toma conta da terra, as pessoas agradecem as brisas refrescantes das noites e aí acontecem os serões. O espaço comum propicia e contorna encontros não programados. Ocasioanm-se, encontram-se e reúnem-se, numa comunhão de amigos e conhecidos que em redor de uma ou muitas mesas, depende do numero dos comensais, dividem histórias e partilham formas de estar e ser.


Num destes serões e à moda Balzequina, aconteceu uma sessão de poesia. Tivesse eu a mestria e a genialidade de um Dickens e o retrato seria sem duvida mais perfeito para os ausentes. De todas as formas vou tentar : Num repente, como se por magia mágica, as mesas transformaram-se num ofertório de alma, desviando as atenções das suas uguarias mais terrenas, as cadeiras e bancos corridos pareciam poltronas genovesas, e homens ,mulheres e crianças trocaram as indumentarias leves por fatos veludescos, com brocados, rendas e pérolas de enfeite e todos decidiram declamar poesia.


Andou-se muito e fizeram-se quilómetros na viagem das letras e dos livros. Da comédia, qual Gil Vicente reinventado, passámos a Cesariny e O'Neill aclamados na sua contemporaneidade, e depois dos poemas deixámos que entrassem os pensamentos e as reflexões testemunhadas e sentidas por muitos.


Tudo isto num serão de província. Gostámos tanto que já marcámos, datas, planeámos jantares literários e cada um já pensa nos seus autores predilectos com que vai presentear os amigos. Quem está na província, pelo menos na minha, tem tempo para ter agendas culturais não marcadas e confeccionadas individualmente a rigor, qual alfaiate de luxo da Rua do Carmo no tempo de Pessoa ou do Eça. Não há pressa, tudo acontece quando assim tem que ser.


Que a vontade seja forte e a imaginação fértil.


Pela madrugada, arrumava as cadeiras vazias, já bancos rústicos e toscos de novo, pareceu-me ouvir um sussurro. Voltei-me e vi ou não , eu sei que vi, o meu Mário de Sá Carneiro, fazendo um ultimo brinde da noite ao serão da província.

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