Este é um espaço que se pretende aberto a quem goste de contar histórias e de andar nos turbilhões labirínticos das palavras e das cores como bouquês feitos de lâminas.

segunda-feira, 9 de março de 2009

AMARELO


Na ordenação abstracta das cores o amarelo é o seu paradigma mais controverso. Intenso e soberano, tem sido preferido por poucos, com excepção dos artistas, e renegado e omitido por muitos. Poucos de nós vestimos coisas muito amarelas, os nossos carros não são muito amarelos, não pintamos lábios e olhos de amarelo e associamos a cor a anagramas mais ou menos tropicais que não passam pela nossa cultura europeia. O sol e a terra no outono são amarelos, a areia é amarela, a banana e o ovo também até os tão populares frangos e perus são assim para o amarelado, mas nem isso faz com que gostemos mais do amarelo.
Tenho pena, porque claramente gosto do amarelo. Confessei o inconfessável.
Em crianças, adoramo-lo para pintar o sol, sim porque sabemos que existe um sol e ele é amarelo. Estamos contentes, pegamos no lápis amarelo e pintamos pai, mãe, manos, casas, árvores, tudo de amarelo até mesmo o que não é suposto , como os gatos e os cães. Nesta altura são raros os que já conhecem o Galfield. Não é por isso que não somos todo , génios pintores e os nossos desenhos não são postos na porta do frigorífico, nos ecrans dos computadores, até nos postais de natal das empresas dos pais. Com muito amarelo, claro.
Basta entrarmos na escola e os nossos traços "picassianos " esfumam-se como fantasmas Na sua vez apenas existem alfabetos carregados de tinta preta à espera de serem violados pelo risco vermelho do ensinador de letras e de cores. Tudo a bem da inteligência oficial. Essa cor ,é incolor e como tal ,é assim como a dor, não se vê mas está lá. Esgota todas e garante que tudo seja da forma que tem de ser.
No clima de toda esta desamarelização e do nosso crescimento desamarelado começamos a viver e a morrer por outro amarelo : o ouro, o dourado do ouro do dinheiro, dos anéis, das casas dos condomínios fechados . Deste amarelo esgotamo-nos a gostar, num clima de permanente agonia mas não faz mal. Imolamo-nos perante os seus raios dourados de ouro e sorrimos, mesmo que esgotados e vergados perante a sua tirania. Quanto aos amarelos dos frigoríficos, já só se encontram nos remoinhos da nossa memória.

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