Este é um espaço que se pretende aberto a quem goste de contar histórias e de andar nos turbilhões labirínticos das palavras e das cores como bouquês feitos de lâminas.

quarta-feira, 18 de março de 2009

A LIRA


Van Gogh

Esta é uma história que já aconteceu há tantos anos que podemos chamar-lhe lenda. Até eu própria já não me lembro onde a li. São assim as histórias que começam com ...

Era uma vez, num pais muito distante, um pai já muito velho que vivia apenas com o seu filho mais novo. Todos os outros já tinham partido ou morrido. Na casa velha restavam os dois, pai e filho que de tanto se adorarem, quando um dizia alguma coisa era como se falassem os dois.

Nessas terras antigas havia muitas batalhas e o jovem foi chamado a combater. O velho pai apesar do receio que tal jornada implicava não falou nada. Guardou todos os medos para si e ajudou o filho nos preparativos da partida .
Quando em cima do cavalo, o rapaz se voltou para trás para acenar um ultimo adeus, o pai quis sorrir mas não conseguiu. Levantou apenas a mão direita e acenou como deviam ser as despedidas entre pai e filho.

Duravam muito as batalhas naquele tempo e as noticias eram poucas ou nenhumas. A vida corria com a calma desses tempos e o velho sentava-se todas as manhas debaixo do castanheiro mais alto da quinta e sentava-se num banco e aguardava numa espera com esperança.

Num dia soalheiro de verão, pela manhã, ouviram-se vários cascos de cavalo. O velho não se chegou à janela. A sua mão tremia quando abriu a porta da casa. Eram três os cavalos e dois os cavaleiros. Dirigiu-se ao que vinha amortalhado e com ou sem as suas forças pegou no filho. Os outros dois homens , jovens ainda, tentaram ajudar mas o velho afastou-os com a mão direita e passou por eles como se nem os visse.

Dirigiu-se ao castanheiro e ai ficou dois dias e duas noites ao pé do corpo do filho. Quem passasse havia de dizer que estavam a conversar, os dois. Uma conversa decorria calma e tranquila entre pai e filho, como se estivessem a planear uma viagem ou apenas a contarem histórias um ao outro.

Na manhã do terceiro dia o velho foi buscar umas madeiras e fez um caixote do tamanho do filho. Com as madeiras trazia uma corda e outras ferramentas. Debaixo do castanheiro apenas ficou o banco, uma manta que servia de enxerga às noites mais frias e a caixa pendurada por uma corda no velho castanheiro.

Passaram-se anos e o velho como que por milagre continuava vivo, como à espera, a aguardar alguma coisa. Tinha chegado a hora : vestiu a sua melhor roupa, fez a barba, deu um beijo no retrato da mulher e fechou a porta, dirigindo-se ao castanheiro.Tirou parte da tampa e dos restos do corpo do filho extraiu os ossos mais compridos que encontrou.
Depois com cordas finas construiu uma lira.
Conta quem viu e ouviu, que era a lira mais linda e tinha o som mais doce do mundo.

Apenas tinha uma particularidade : as musicas que tocava eram as mais tristes do mundo, tão tristes, tão tristes que a gente daquele lugar chorou durante um mês sem parar.
A partir dai a terra ficou conhecida como o vale de lágrimas e eram poucos os viajantes que queriam passar por lá, com medo de também eles ficarem tristes e não pararem de chorar.

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