Este é um espaço que se pretende aberto a quem goste de contar histórias e de andar nos turbilhões labirínticos das palavras e das cores como bouquês feitos de lâminas.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

LUGARES FELIZES



Ela sabia que não devia , mas a insistência do outro levou-a a dizer que sim, que iria. As ruas eram as mesmas , tudo estava igual, apenas a separava daquele lugar mais de trinta anos.

As árvores da rua debaixo continuavam a fazer de concha para proteger os passeantes do calor e do sol do verão. Fechou os olhos e viu um balde e uma pá, uma toalha de praia, a mão da mãe na sua, os primeiros mergulhos aprendidos ao domingo com o pai.

Mais acima o caminho da casa. Da casa, do banho, do almoço, da sesta obrigatória, do lanche e das brincadeiras com o irmão. Da casa onde ficava o quarto de vestir da tia, com as caixas de sapatos, os chapéus de cetim, as bolsas de veludo, e os vestidos elegantes de outros tempos que vestia.

Da casa da Ana, boneca de loiça e corpo de serradura de bolinhas azuis que pertencera à avó.

Dos países imaginários, com mapas construídos pelo tio e dos índios guerreiros na busca da verdade e da justiça. Nunca eram maus esses indios.

Da casa onde aprendeu a revolução francesa, qual heroina romântica a discursar numa praça. Onde bebeu chá com Mao Tsé Tung e acreditou sermos todos iguais. E por fim na idade do amor deixou-se apaixonar pelo sorriso do homem mais bonito do mundo : Che e sonhou ser sua companheira e ir com ele ajudar todos os desprotegidos e oprimidos desta e doutras terras.

Tudo isso estava lá, no caminho da casa. A casa apenas restava nas memórias dela. As pessoas mais velhas já tinham partido. O Mao e o Che também e os ideais tinham dias. De repente num imenso dia de primavera sentiu-se rota, triste, de uma tristeza profunda. Sabem, aquela que não tem lágrimas e que amarga a alma.

Não devia ter voltado ali. Fora lá demasiado feliz.

Nunca devemos voltar onde fomos felizes.

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